Cíntia Leitão, Tiffany Atwell e Rosiane Campos trabalham, respectivamente, em tecnologia para gestão, sementes e defensivos, e maquinário agrícola. Apesar de estarem em ramos distintos, as três têm algo em comum: ocupam cargos de liderança no setor privado e defendem que a educação é fator imprescindível para que mulheres ascendam em suas atividades e cheguem, inclusive, a ocupar cargos de chefia.
Há 14 anos no agronegócio, Cíntia é executiva na Senior e vê um aumento da presença das mulheres em papeis de liderança nas organizações, “mas quando a gente olha o dia a dia do campo no mundo real, tem muito a ser feito. Aquela mulher simples, esposa do condutor do trator, ainda está esquecida. Ela poderia ser educada, no sentido de executar um papel diferente, como ser responsável pela parte financeira, por exemplo”.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), uma em cada três mulheres com emprego atualmente, está na agricultura. Na visão da ONU, em muitas comunidades rurais, elas são a base. Mas ainda sofrem de forma desproporcional os efeitos da pobreza no campo. Não têm acesso igual à terra, a financiamento, ao mercado nem tem o mesmo poder decisão. Fatores que as impedem de desenvolver seu potencial, afirma o secretário geral da instituição, Antonio Guterres, em mensagem pelo Dia Mundial da Mulher Rural, celebrado nesta terça-feira (15/10).
Diretora de Novos Negócios da Agco, fabricante que detém marcas como Valtra, Massey Ferguson e Fendt, a gaúcha Rosiane Campos vem de uma família de quatro mulheres e sem a figura paterna em casa. Em 2012, foi a primeira diretora de engenharia da multinacional, uma posição, via de regra, exercida por homens
Para ela, o fortalecimento do protagonismo das mulheres do campo passa pela educação. E é também papel das grandes empresas do agronegócio chegar até elas. “Tem um papel importante das empresas privadas do agronegócio de chegar até lá, porque, no final do dia, muitas vezes, são essas mulheres que tomam a decisão, indiretamente, ao conversar com seus maridos e ajudando no controle financeiro da casa.”
Tiffany Atwell acredita que esse papel da mulher do campo pode e deve ir além de simplesmente estar ao lado do marido produtor rural. “Também pode ajudar no sucesso da fazenda. Mas só porque ela é mulher, e ser ‘a esposa do produtor’ parece um cargo insignificante, ela não é vista como uma forte contribuinte dos negócios”, declara Tiffany Atwell, líder de assuntos governamentais da Corteva Agriscience.
A executiva defende que “a primeira coisa é reconhecer que há um problema”, inclusive social. “Uma das coisas que eu ouço quando venho para o Brasil é que as mulheres são muito bonitas. Mas, mais do que bonitas, elas são muito inteligentes, talentosas, trabalhadoras.”
Ela alerta para o que muitas vivem na prática: “A maioria das companhias do agronegócio são dominadas por homens, falando para homens, sobre mulheres”. E acrescenta: “fazer negócios apenas com homens é uma perda de oportunidade”.
Divulgado em 2018, o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017 contabilizou mais de 15 mil pessoas em estabelecimentos agropecuários, sendo 19% mulheres. Elas estão em 945.490 estabelecimentos rurais.
No 4º Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, realizado nesta semana em São Paulo (SP), cerca de duas mil participantes de diversos segmentos – produtoras, consultoras, pesquisadoras e executivas de empresas – manifestaram seu desejo de um tratamento mais igualitário. Querem mais acesso à educação e à inclusão digital. Muitas, no entanto, relataram que, mesmo tendo formação acadêmica e conhecimento, não são levadas a sério.
Reflexos dessa busca por mais protagonismo, as três executivas ouvidas por Globo Rural afirmam que não se trata de “roubar” o espaço dos homens. A intenção é apenas aumentar o tamanho da mesa de decisão, possibilitando as mulheres trazerem sua abordagem dos mais diversos assuntos.
Da parte das empresas onde trabalham, elas garantem que têm sido adotadas iniciativas que favorecem a formação e a capacitação da mulher. Na Senior, por exemplo, está sendo preparado um curso de inclusão digital. “Não adianta a gente falar de tecnologia no campo sem falar de educação, sendo que temos pessoas que não sabem ler e escrever”, enfatiza Cíntia Leitão.
Na Corteva, foi criada uma academia de liderança voltada para o público feminino, a partir de uma demanda detectada pela própria empresa. “O talento já está aqui no Brasil para solucionar qualquer coisa que precise ser consertada”, reforça Tiffany Atwell.
Já na Agco, uma iniciativa é o Trait, que visa conversar com diferentes comunidades e trazê-las para a mesa de negócios. “Não seria justo a gente não cobrar dos nossos fornecedores essa abordagem diversa”, justifica Roseane Campos.
CRÉDITOS: MARIANA GRILLI E GLOBO RURAL